Mães II

— Mãe?

— Hmmm...

— Já tá dormindo?

— Quase...

— Eu tava pensando numa coisa esquisita...

— O que é?

— O pé de jabuticaba. Uma árvore tão grande com uma frutinha tão pequena! É quase um desperdício. E a melancia, então? Uma bola daquele tamanho numa planta que mal sai do chão! Algumas coisas não fazem muito sentido, na natureza, a senhora não acha?

Sob as pálpebras pesadas, os olhos da mãe cintilaram. Ok, o momento não era oportuno, mas já fazia oito meses que não apresentava sequer uma liçãozinha de moral ao guri. Embora o argumento já estivesse gasto, não podia desperdiçar tão ótima chance de quebrar o jejum, além de poupar o dinheiro do psicólogo.

— Ora, filho, também não é assim. A natureza é muito mais sábia do que parece.

— Como assim?

— Lembra quando fomos ao sítio do tio Paulo e uma ventania derrubou um monte de jabuticabas no carro do seu pai?


— Claro que lembro, fui eu quem teve de lavar tudo depois!

— Pois é... Agora imagine se, em vez de jabuticabas, aquela árvore gigante produzisse melancias. O Pálio daria perda total! Sem falar no caso de Newton e a maçã. Com uma melancia na cabeça, o máximo que o físico descobriria seria o caminho do hospital mais próximo. Por isso nunca devemos questionar a sabedoria da natureza, entendeu?

O garoto ficou algum tempo pensando no assunto. Depois:

— Mas e aquele primo da senhora que foi morto por uma jaca que caiu?


Nunca saberia, no entanto, se o sono da mãe era ou não fingimento.

Comentários

  1. Como sempre, muito bom... claro que não é sua master piece, mas entretém! =)
    saudades dos textos...
    Um abraço!! =)

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