In Memorian





Na HQ Y: The Last Man, de Brian K. Vaughan, os representantes do sexo masculino de todas as espécies do planeta são exterminados por algum vírus desconhecido até onde eu li, coroando os mais desvairados sonhos feministas. Não bastassem as implicações óbvias (caos no trânsito, declínio irônico da indústria do Viagra, grupos de lésbicas radicais assumindo o posto que outrora pertencera à Al Qaeda), as mulheres dos Estados Unidos ainda precisam eleger um memorial masculino definitivo, para onde peregrinarão a fim de chorar a perda de maridos, pais, irmãos, amigos, cachorros, ou quaisquer que tenham sido suas baixas no âmbito do cromossomo Y, além de astros do rock, atores, cientistas, jogadores de futebol etc. Numa votação que imagino folgada, o monumento escolhido é o Obelisco em Washington.

Foi uma solução bastante criativa, a do autor. A coluna pétrea de quase cento e setenta metros de altura, situada no coração da capital americana, cumpre não só a função de símbolo fálico, como dá uma idéia bastante aproximada do quão exibidos eram os homens — especialmente os homens americanos —, para uma eventual extraterrestre jeitosinha pós-expurgo.

— Tinha esse tamanho mesmo?!

— Bem, houve licença poética...

Se a história se passasse no Peru, creio que não haveria tantos problemas, e talvez as moças só precisassem acrescentar um sufixo ao nome do país (“Peruzão”, “Peruzaço!”), para salientar a virilidade de seus falecidos habitantes. No Brasil, é provável que a mulherada optasse pelo Maracanã para entoar cânticos à nossa memória, embora aqui o debate sobre o assunto fosse mais acirrado.

— Por que não fabricamos uma cueca gigante? — arriscaria uma empresária falida da indústria têxtil.

— E faríamos o que com ela, cobriríamos Brasília? — revidaria uma balzaquiana algo de esquerda. — Não precisamos de lembretes das máculas de caráter de nossos homens, mas de um monumento que os defina como gênero para a posteridade, caso haja uma.

— Que tal uma bandeira com um controle-remoto e um sofá? — sugeriria uma professora de História desiludida. — Uma versão hedonista e moderninha daquelas horríveis ferramentas que simbolizavam o comunismo.

— Talvez uma fogueira de proctologistas?

— Escrevemos “Hoje não dá, amor, tô com dor de cabeça” numa plantação de soja no Mato Grosso...

Mais interessante que imaginar qual seria a Meca feminina à nossa revelia é fazer o oposto: conjeturar o que usaríamos para lembrá-las, caso o vírus voltasse sua metralhadora giratória na direção delas. Depois de uma reunião ecumênica que duraria dias, onde diplomatas, acadêmicos e chefes de estado fariam um inventário com as maiores contribuições femininas para a humanidade (entre as quais se destacariam o oferecimento do fruto aquele, a preocupação com o nosso fígado e as tortas incomparáveis de nossas avós, cujos doces seriam tombados como patrimônios do mundo), a ONU organizaria um referendo em escala mundial. Traduzidas para o português, as opções da cédula de votação ficariam assim:

a) Grand Canyon ( )
(Para os pouco românticos, adeptos da alegoria escrachada.)

b) Shoppings Centers ( )
(“Por que criticávamos tanto o consumismo delas, meu Deus?!”)

c) Fechos de sutiã ( )
(Nossa nêmesis, o objeto responsável pela queda de tantas dinastias, quando jovens cavalariços demoravam tanto para abri-los que o príncipe acabava descobrindo a traição, mas não o segredo do cadeado.)

d) Um lago em formato de absorvente, a ser construído na Dinamarca. ( )
(O jingle de campanha para essa opção seria o mais pegajoso: “Quem não gostava de ser subserviente? / Para lembrá-las vote no absorvente!”)

e) Mar Vermelho. ( )
(Vide Grand Canyon.)

f) A Tcheca. ( )
(Razões óbvias.)




É claro que o saudosismo não duraria muito, pois em pouco tempo os japoneses lançariam no mercado uma mulher artificial tão perfeita que peregrinar até o memorial do gênero extinto logo se tornaria um empreendimento escasso, quase enfadonho, realizado apenas por um tipo de obrigação escatológica com a espécie, como ir à igreja ou procriar, e entraria fatalmente para o topo da lista dos supérfluos a serem cortados em tempos de crise. Mesmo assim, seria inevitável que eventualmente surgisse, em mesas de bar, uma opinião mais conservadora para afagar o ego dos fantasmas, pondo em xeque as maravilhas da tecnologia.

— Sei não... Ainda acho que tem pelo menos uma coisa que as garotas artificiais nunca poderão fazer com a mesma eficiência que as antigas faziam.

— Sei do que está falando. Mas li na Scientific American que é questão de tempo para os japoneses aprimorarem o dispositivo que fabrica uma torta igualzinha à da vovó...





Comentários

  1. Felipe, você é genial. Todos os seus textos cumprem exatamente aquilo a que se propõem. Achei leve, inteligente, engraçadíssimo! Continue escrevendo sempre, pois como uma amiga já disse uma vez pra mim -e foi um dos melhores elogios da minha vida- "eu bebo suas palavras." é exatamente isso. Um grande abraço.

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  2. Ah, Lu, você que é uma fofa!

    Só tu mesmo pra rir das minhas bobagens... rs

    Obrigado pelo carinho, moça, e preciso atualizar minha leitura do peixe na água, mesmo estando sem net.

    Beijos!

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